
Na infância, um dos meus passatempos favoritos era desenhar naqueles livros de ligar pontos. Pouco a pouco, os traços ganhavam forma e significado, desfazendo assim, toda a expectativa sobre as imagens ocultas. Minha experiência com o jazz, como ouvinte e instrumentista, fixou os primeiros pontos que futuramente revelariam uma imagem nítida da realidade invisível disfarçada no gênero popular.
Roger Morneau, em seu livro Viagem ao Sobrenatural, narra um episódio interessante. Num encontro com um músico de jazz bem sucedido, o autor tem acesso a informações não divulgadas sobre esse estilo musical e o caminho para o êxito. Durante um jantar, o músico revela a Roger e a seu amigo que, após experimentar o fracasso como músico de jazz por muitos anos, conheceu o culto aos demônios, poder através do qual alcançara o sucesso de forma instantânea, por meio de rituais, submissão e adoração. Desde então, o músico e sua banda de jazz permaneciam sendo aclamados pela imprensa e atendendo a uma grande demanda de concertos e entrevistas.
No decorrer da conversa, Roger Morneau e seu amigo ouvem a seguinte declaração daquele músico de jazz:
“Na realidade, os espíritos tomam conta de nós; em outras palavras, eles se apossam de nós e nos dão energia, e nós repassamos essa influência para o público. Eles gostam do que recebem e sempre voltam para buscar mais da mesma coisa”.
Ao ler esse livro, exatamente neste ponto, não pude deixar de associar a declaração acima com outro fato que me perturbava.
Eu possuía uma cópia daquele livro, bem como vários outros materiais semelhantes para o estudo de standards de jazz. A música que abre o livro chama-se “A call for all demons” (Um chamado para todos os demônios). Conhecendo o testemunho de Roger Morneau, aquilo não podia ser apenas uma coincidência.
Ao final da partitura da música encontramos a seguinte informação: Sun-Ra - "Angels and demons at play". O compositor se autodenomina “Sun Ra” (Sun = sol; Ra = deus da mitologia egípcia) e seu álbum tem como título “Anjos e demônios envolvidos”. Sun Ra era músico de jazz, poeta e filósofo conhecido por suas filosofias “cósmicas”, pregando “a consciência e a paz sobre todos”.
Outras composições contidas no Real Book também apresentam nomes sugestivos como “Prince of Darkness” (Príncipe das Trevas) de Wayne Shorter, “Reincarnation of a Love Bird” (Reencarnação de um Pássaro do Amor) de Charles Mingus, “The Magician in You” (O Mago em Você) de Keith Jarret e “Wings of Karma” (Asas de Karma) de John McLaughlin.
Seriam essas informações apenas fatos desconectados, sem relação direta com um poder sobrenatural agindo nos "bastidores" do mundo do jazz? Quando ligamos esses relatos às origens históricas e místicas do jazz, as peças do quebra-cabeças começam a se encaixar.